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sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Saudades de ser criança

Quando se é criança, errar é normal, acontece. Assim que somos entendidos.
 
Quando adulto, errar é malandragem, querer ser espertinho...

Não deveria ter crescido. Porque cresci sem mudar. As pessoas é que mudaram seu olhar sobre meu temperamento. Não sou perdoado por falhas, enganos, tropeços...


Antes era engraçado, hoje sou irresponsável.
Antes era distraído, hoje sou preguiçoso.
Antes era charmoso, hoje sou idiota.
Antes era adorável, hoje sou insuportável.

Tu não tem ideia do esforço que tenho que fazer todos os dias para ser adulto.
Tomo café de propósito, e não Nescau, que adoro, porque não posso me entregar. Sou macho, sou adulto.

Quando tinha meus dez anos, recebia a tarefa de comprar coisas que faltavam para a casa no mercado ali perto. Não anotava o que minha mãe queria. Buscava memorizar, e me atrapalhava.

Não foram poucas vezes em que ela pedia banana e eu pegava maçã, ela pedia mostarda e eu trazia catchup, ela esperava por alface e eu chegava com cebola.

As palavras pra mim, na época eram parecidas, estranhas e significavam alguma coisa pros adultos, que ainda não entendia.

Não esqueço daquele final de tarde, tinha que ir no mercado fazer compras, parei na frente do balcão com a missão de levar pão e doces, já que teria visita. A balconista me encarava enquanto eu resgatava, na minha memória a encomenda feita. Lembrei logo do pão, mas, tinha um doce também, qual era o doce? Sabia como era feito mas, não sabia o nome.

Na pressa de resolver, falei alto:
— Me dá um bocejo?
 
A mulher do balcão, assustada, respondeu a esquisitice:
 
— O que?
 
— Me dá 300 gramas de bocejo? — expliquei.
 
— Bocejo, meu filho? Não posso bocejar para ti agora, estou trabalhando.
 
As pessoas começaram a rir. Mas rir ajudando, rir acolhendo.
 
— Não seria sonho?
— Não.
— Não seria papo de anjo?
— Não.
 
Dez minutos depois, a dona do lugar, gritou do fundo dos corredores:
— Não seria suspiro?
— Sim, isso sim! Suspiro!
Fiquei conhecido no mercado como o guri que queria comprar bocejo.

Naquele tempo, enganar-se não era crime. Era normal, era acidente.
Hoje, errar é inaceitável, é incompetência.

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